Quem nunca ouviu ou disse "nossa, eu queria tanto escrever um livro"? Hoje em dia ouve-se cada vez mais, por causa da democratização da publicação. A exclusividade já não pertence às grandes editoras, o que é uma ótima notícia. As grandes editoras por vezes estão focadas demais em publicar o que vende em grandes volumes, o que acaba excluindo quase sempre o autor estreante e saturando o mercado com caras conhecidas (celebridades da televisão ou da internet) e traduções de títulos estrangeiros. Ou seja: é possível publicar. Mas antes é preciso escrever. E essa é a parte realmente importante.
Antes de mais nada é preciso deixar isto aqui bem claro: ser escritor é escrever. Se o seu maior prazer não é a atividade de escrever, dificilmente você será um bom escritor, porque é disso que se trata. Publicar um livro, ter o livro publicado bonitinho, com capa, contracapa, lombada, vender, isso é apenas uma parte da atividade. Uma consequência. Não existe um bom livro sem muito trabalho e horas de dedicação à escrita.
Então a gente tem uma ideia na cabeça. Essa parte é a mais fácil! Quase todo mundo tem uma história pra contar, eu mesma tenho umas 80! Mas comecei com uma só. O primeiro romance que escrevi, "Os Livros de Ventura" demorou 12 anos para ser escrito e mais alguns para ficar realmente pronto para publicar. Isso não é uma regra e na verdade nem é o ideal. "Catarina" foi escrito em 18 dias, levou uns meses sendo melhorado, editado, lapidado, e foi publicado um ano depois. "D.O.C." foi escrito em cerca de dois meses e publicado menos de um ano depois. O que quero dizer com isso é que o processo de escrita, como qualquer outro trabalho, requer prática. O começo é sempre mais difícil e você vai ficando bom e seguro conforme escreve uma, duas, três, muitas histórias (romances, contos, novelas, tudo é válido e tudo ajuda).
Eu poderia falar sobre processo de escrita durante páginas e páginas, não importa. Não importa o quanto eu fale, eu sempre estarei falando somente sobre o meu processo de escrita. Não acredito que dois autores façam igual, embora provavelmente haja pontos em comum. Então vamos ao que eu considero importante.
Você tem uma ideia. O que é essa ideia? No que consiste? Explique para si mesmo, de preferência escrevendo. Afinal é o que você quer fazer no fim das contas, não é? Não tenha preguiça de escrever. Não se preocupe com escolha de palavras ou estilo neste momento. Ninguém tem estilo se não tiver uma história pra contar. Um livro bem escrito que não conta nem acrescenta nada é tão ruim quanto uma história interessante mal escrita. O que você quer contar? Bote no papel. Então comece a questionar a ideia, porque ela precisa se sustentar. Pra que eu quero contar essa história? O que ela tem de interessante? Está convencido dela? Se não estiver, isso não é motivo pra desistir dela completamente. Isso pode só ser sinal de que a sua ideia está ainda rasa, sem profundidade. Está verde. Todo livro de ficção não apenas conta uma história, ele dá um recado pro leitor no final. Isso é inevitável, então é melhor você pensar em que recado quer dar, ou pode acabar dando um recado que não queria. Trabalhe isso, o resultado que você quer para sua história. Pense na sua história exaustivamente, viva com ela, escreva sobre ela. Está convencido? Beleza! Vamos começar a trabalhar!
Veja, às vezes os passos não seguem roteiro nenhum. A sua ideia pode ter vindo de uma cena que você pensou ou sonhou já quase completa, sabe como é? Nesse caso, escreva essa cena antes de qualquer coisa. Não perca a ideia. Depois você pensa no enredo, na validade, no recado. Quando você já sabe o que é a sua história e por que você quer contá-la, está na hora de pensar no mais importante.
Espera. O mais importante não é a história?
Não. São os personagens.
Olha, pode ter muita gente que discorda, mas pra mim é assim que funciona. Seus personagens precisam ser reais, precisam existir dentro de você, andar com você, na sua cabeça, na sua voz, dividir o corpo com você. Você precisa conhecê-los a fundo. Desenvolva esses personagens mesmo fora da história. Quem é essa pessoa que vai viver essa história? Que vai fazer essas ações ou vai sofrê-las? Por que essa pessoa faz essas coisas? Ou se são coisas que acontecem com ela, como ela reage a elas e por que reage dessa forma e não de outra? Isso serve para heróis e vilões, todo mundo tem que ser crível. Conhecer seus personagens além da sua história (isso significa saber a história pregressa deles) é o que vai dar o mínimo de credibilidade para sua história.
Depois disso é hora de organizar as fases da história. Talvez você já saiba onde quer chegar, que tipo de desfecho pretende fazer, mas é preciso saber como chegar lá. Seja minucioso e não tenha pressa: quero começar aqui e pra chegar aqui preciso que aconteça A, B, C. É bem possível que pelo meio desse processo você já esteja escrevendo de verdade. Geralmente na fase de pensar os personagens eu já estou muito envolvida e já comecei a escrever pra valer. Normal. Não interrompa fluxo criativo, tudo que você escrever é mutável depois, não tenha pena. Quando você escrever A, B e C, você pode perceber que seu plano de voo não está completo, e você nunca vai conseguir chegar a Z porque não faz sentido passar do M para o T. Duas coisas neste momento: 1) não tenha medo de parar o livro para repensar o desenvolvimento do enredo, isso só vai fazer bem e não é tempo jogado fora nem "crise criativa", é trabalho; 2) você não tem obrigação de escrever na ordem correta; se você sabe exatamente como vai ser o Z, escreva logo, depois preencha os buracos. Provavelmente depois de preenchê-los você vai mudar um monte de coisas no seu Z, mas ficará aliviado porque ele já estava ali, te guiando como uma linha de chegada.
Isso está ficando minimamente claro e útil? Espero que sim!
Pode acontecer o famoso bloqueio? Pode, mas não se desespere, você não é o único. E só é definitivo se você deixar. Cada um vai funcionar de uma forma, nestes casos. Tem gente que insiste, fica retrabalhando naquela história até destravar. Eu preciso tomar distância. Vou mexer com outra coisa, deixo lá, descansando como massa de pão. Deixo a cabeça limpar. Sim, eu tenho um monte de livros inacabados e, sim, eles me perturbam e eu odeio que eles estejam inacabados. Sim, isso pode acontecer com você. Você não achou que este era um trabalho sem "lado ruim", né? Esse é um dos lados ruins, aqueles fantasmas enormes, alguns com décadas de idade, e você acha que eles vão te engolir se você não der um fim neles. Não tenho essa resposta, não sei se eles vão me engolir ou não, mas a boa notícia é que nenhum deles me impede de começar novas histórias, terminá-las, publicá-las e ser feliz com isso.
Escreva. Escrever é uma atividade, um exercício. Seja crítico consigo mesmo, mas seja também paciente e misericordioso consigo mesmo. Você pode ser foda de manhã e um lixo à tarde, normal, é assim mesmo. E, por fim, uma dica importante: não se envergonha de desistir se achar que não é a vida que você quer. Nem todo mundo tem que ser escritor profissional só porque teve uma ideia, ideia todo mundo pode ter. Mas se, ao sentar na frente do teclado e criar pessoas e lugares e situações, você se sentir mais vivo e livre e feliz do que nunca em sua vida, persista. Dá um trabalho medonho, mas pra quem gosta não existe vida melhor.
Só não esqueça de uma coisa: escrever é a segunda atividade mais importante na vida de um escritor. A primeira continua sendo ler. Leia livros bons. Leia autores melhores do que você. Leia o que você quer ler mas intercale com o que você acha que deve ler. Goste do idioma. Tenha carinho pela língua portuguesa e trate-a bem. É seu instrumento primordial de trabalho. Assuma-se escritor. Preste atenção ao seu ritmo criativo, entenda como você funciona como escritor e estabeleça uma rotina de escrita conforme seja possível no seu dia. Se não puder escrever naquele momento, leia e anote as ideias que cruzarem sua cabeça de dia e de noite. Com trabalho, foco e paciência, esse livro sai. E quem sabe você não vai viver em breve o que é, para mim, o segundo maior prazer de ser escritora: ver um leitor se apaixonar perdidamente pelo seu livro.
Porque é claro que o primeiro maior prazer continua sendo escrever.
Muito boas dicas! Adoro o jeito que escreves!