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Fake it till you make it": a síndrome do impostor e o ego do escritor


Eu tinha uns 14 anos, estava na casa da minha vó, quando alguém da família, primo ou tio, não lembro bem, fez algum elogio à minha inteligência. Eu já estava mais ou menos habituada a ser tratada como alguém que "prometia", prodígio, sei lá, mas a menina mais inteligente da turma, essas coisas. Naquele momento, porém, algo aconteceu. Eu recebi aquele elogio de um jeito diferente. Pensei: não, eu nem domino esse assunto tão bem quanto ele pensa! Por que será que as pessoas estão acreditando nessa capacidade, ao olharem para mim?


Mas aí eu sorri internamente e pensei: LEGAL!


Hoje em dia eu acho que essa reação determinou meu futuro. Sim, eu estava compreendendo que era uma impostora, mas também estava decidindo que TUDO BEM. Que não havia nada de errado com isso, sobretudo se estava convencendo. Sem saber, naquele momento eu adotei o famoso fake till you make it. "Finja até conseguir".

Abraçar meu lado impostora é algo constitutivo de mim. Não faz muito tempo que entendi isso, não. Mas cada vez mais eu percebo que está presente numa série de aspectos da minha vida. Foi assim que comecei a traduzir e dar aula de francês, fingindo confiança, fingindo segurança, fingindo costume. Um dia, depois de muito fingir, eu já me sentia segura. As primeiras aulas foram um terror. Eu olhava para os alunos e pensava, suando: se eles soubessem que eu passei uma semana preparando uma única aula, jamais confiariam que eu tenho condições de ensinar qualquer coisa para eles. Mas eles não sabiam. Então eu podia fingir.


Veja, esse fingimento não é mentira, ok? Se algum aluno me perguntava algo que eu não sabia, eu não inventava uma resposta. Eu prometia procurar. Pra dar certo, tem que ter humildade envolvida.Eu não "fingia saber", eu "fingia ser capacitada", digamos assim. Eu fingia que estava tudo bem não saber uma resposta e que isso não abalava minha capacidade de ensinar, quando na real eu estava internamente chorando por não ter conseguido passar a aula inteira sem ninguém me perguntar algo que eu não sabia e internamente me achando uma burra por não saber a resposta. Aí só tinha um jeito de remediar: chegar em casa, descobrir a resposta, anotar no caderno e levar na aula seguinte. Pronto. Aluno ensinado e satisfeito, e, para mim, uma nova lição aprendida. Da próxima vez que me perguntassem, eu ia saber.

Em tradução, mesma coisa. Minha primeira experiência foi logo com tradução de livros jurídicos. A oportunidade apareceu e eu sabia que era rara, pois eu não tinha experiência. O tempo que eu demorava pra fazer era simplesmente anormal. Levava horas pesquisando um termo, consultando inúmeros sites jurídicos, em português e em francês. Deu certo. Ficou perfeito? Não. Mas foi suficiente.


Não se sentir suficiente é uma sensação comum para quem tem síndrome do impostor. Mesmo quando você já está lá, já passou, já foi selecionado, você está o tempo todo se perguntando como isso pode ter acontecido e quanto tempo vai demorar para alguém descobrir que você é uma fraude. Eu só tenho um conselho pra dar nesses casos: aproveite a jornada. Se você está convencendo bem e ninguém "descobriu" sua farsa até agora, talvez seja porque você afinal é capacitada, sim.



O vídeo que eu tô trazendo para o post é sobre a síndrome de impostora em mulheres. As mulheres são ainda mais cobradas para demonstrar competência em tudo que se engajam, seja profissionalmente seja na vida pessoal. Sentimo-nos o tempo todo instadas a provar que merecemos estar ali e para isso estamos sempre buscando entregar resultados perfeitos. E, terminando o trabalho, ainda temos que ser as melhores mães do mundo. Eu gostei muito da fala da Rafa Brites nesse vídeo (agradeço à querida Patricia Manczak pela dica!), mas eu acho que falta uma coisinha no discurso de empoderamento que costumamos usar para combater a síndrome do/a impostor/a. Falta incluir o erro. Falta "permitir" falhar.


Em nenhum outro âmbito da minha vida eu ouvi falar tanto de síndrome do impostor quanto entre escritores.Naturalmente, no ofício de escritor tem que ter um ego forte envolvido. Afinal de onde vem isso de você achar que algo que você criou é tão incrível a ponto de crer que outras pessoas vão se interessar e querer ler? É ego. Muitos de nós não vamos querer admitir, por achar que ego não combina com as inseguranças que experimentamos, mas combina sim. E muito! O escritor busca aprovação e isso não é pecado, faz parte. Mas é desnorteante o quanto a falta de uma aprovação TOTAL paralisa tantos de nós. Já é problemático o suficiente pelo simples fato de que nunca haverá aprovação total, né? Isso deveria ser óbvio para nós. Mas a fragilidade que por vezes demonstramos diante de qualquer tipo de crítica me levou a pensar o quanto isso provavelmente está ligado ao ego do escritor. Que está ali com a intenção de ser perfeito. Que acha que pode ser perfeito, fazer o livro perfeito, e que talvez pense que só vale a pena estar ali se for para produzir esse livro perfeito, senão nem vale a pena descer pro play.


Não é curioso como, de repente, a insegurança pode soar como arrogância? Será que estão ligadas? Em alguns pontos do caminho, desconfio que sim.


É urgente que criemos espaço para o erro em nossas vidas, ou a exigência de perfeição vai nos imobilizar para tudo. Precisamos aprender a lidar com a nossa mediocridade, com a nossa falibilidade, com a possibilidade (certeza?) de sermos por vezes extremamente tolos e estúpidos, confusos e presunçosos, repetitivos e previsíveis. Tudo bem. Não quer dizer aceitar ser medíocre pelo resto da vida, pelo contrário. Lidar com a sua mediocridade significa não se chocar com ela como se fosse uma grande e inimaginável surpresa o fato de você não ser assim tão brilhante, tão especial, tão incrivelmente talentoso. Significa aceitar que você pode, sim, ser talentoso e competente e mesmo assim produzir um texto ruim, porque imaginar que você nunca seria capaz de um texto ruim é presunção.



Significa compreender que a escrita é um processo. Que a escrita é um trabalho. E que não existe esse ponto de chegada no qual o produto da sua escrita será algo perfeito. Se a gente não conseguir trabalhar dentro dessa compreensão, não temos nem pra onde melhorar. E se você tá nisso achando que nasceu pronto e não tá disposto a melhorar, aí é melhor mesmo nem descer pro play.

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