"Há Vagas" - conto extra nº 3
ATENÇÃO: SÓ LEIA SE JÁ TIVER TERMINADO DE LER O LIVRO "HÁ VAGAS"
agosto 2022 ~ Londres
Bianca
— Ele vai ficar puto por que a gente não falou ontem.1
— Timo, eu não vou ter esse tipo de conversa pelo telefone, sinceramente.
— Isso quer dizer que se não tivesse acontecido na véspera do Nick voltar de Nova York você pretendia contar pra ele tipo quando?
— Ah... Ai, sei lá, não importa! O que importa é que ele já vai chegar daqui a pouco. — Estico o pescoço para olhar o relógio de pêndulo na parede da sala.
Timo se joga no sofá.
— Ele tá demorando.
— Você tá com medo? — pergunto.
Ele respira fundo e olha para mim.
— Tô.
— Isso quer dizer que, se fosse com você, você ficaria chateado?
Ele fica me encarando um tempo.
— Não sei se... chateado ou... — Ele exala. — Sim. Eu ia ficar arrasado. Sendo bem sincero, eu ia. — Deixa a cabeça cair pra trás no encosto do sofá. — Droga.
— Não tem outro jeito, Timo. A gente tem que contar. Eu não estou disposta a...
De repente o barulho de chave na porta nos interrompe e nós dois pulamos do sofá e da poltrona e corremos pelo corredor para chegar na porta bem na hora que Nick abre.
— Ei, Nick. Oi. — Tento sorrir.
Ele para na porta, olhando para mim com a mão ainda na chave.
— A gente precisa conversar com você — despejo.
— Bianca, pelo amor de Deus, não faz assim com ele! — Timo segura Nick pelos ombros e o conduz para dentro de casa, fechando a porta.
— Nossa, desculpa, que foi que eu fiz? — pergunto, seguindo os dois.
— Bia Arkwright — diz Nick, pousando a mão lentamente sobre o peito. — Saiba que é desse jeito que eu sonho que eu morro.
— Drama queen.
— Oi, gato — Timo dá um beijo nos lábios de Nick. — Você demorou pra caramba.
— Teve um maldito procedimento de segurança antes da saída do avião, eu odeio os Estados Unidos. — Ele mexe os ombros até o blazer escorregar. Timo ajuda, puxando as mangas. Então Nick vira para mim. — Vai. Crava essa estaca no meu peito, mulher para quem eu dei meu nome num momento de insensatez.
Timo ri.
— Insensatez o caralho, você quase rastejou para ela te aceitar.
— Não lembro dessa parte.
— Timo, me ajuda aqui, né? — peço.
— Tá. Tá certo. — Ele assente, gravemente, apertando os lábios. — Vem cá, Nick.
Timo o puxa até a sala e o faz sentar no sofá. Com esforço, ele arrasta a pesada poltrona favorita para ficar bem de frente para o Nick e aí senta de uma vez só, desabando.
— É sério, vocês estão me assustando.
— Não estamos terminando com você. — Timo espalma as duas mãos. — Relaxa.
— Timo... — Eu sacudo a cabeça.
— Não revira os olhos para mim, Bianca — ele ameaça.
— Vamos logo com isso, eu tô com tesão e com saudades, não fiquem se provocando na minha frente.
Sento no sofá e giro o corpo para ficar de frente para o Nick.
— O que é? O que foi que aconteceu?
— Não aconteceu nada, mas é que... Hum. Quer dizer, aconteceu, sim. Uma coisa. Ontem — começo. — E então depois disso eu e Timo tivemos uma... conversa.
— E você não pretende me falar o que foi que aconteceu?
— Eu vou falar, calma.
— A gente fez sexo sem proteção — diz Timo.
As sobrancelhas de Nick sobem. Tirando isso, a expressão dele quase não muda.
— É. — Mordo os lábios, nervosa. — Foi isso.
A compreensão vai tomando conta do rosto de Nick gradualmente. Ele assente e faz "hum".
— Foi... impensado? — pergunta ele. — Quero saber se você se deram conta do que estavam fazendo.
Acho que eu esperava alguma piada de cunho sexual neste momento. Ele está sério demais.
— Mais ou menos... — diz Timo.
— Não foi impensado. No início foi um pouco... É...
— Eu sei como sexo começa, Bianca. Pode me contar em detalhes se quiser, vou adorar. Mas não é preciso.
— Nós decidimos ir adiante sem camisinha — digo. — Sabíamos o que estávamos fazendo.
— Entendo — Nick assente devagar, olhando os joelhos. E então sorri, de cabeça baixa. Um sorriso pequeno.
E ergue o olhar para mim. Esperando.
— Eu quero engravidar — admito, quase num sussurro.
— Eu entendi, Bia — ele diz, o sorriso um pouco mais relaxado.
Não, não é relaxado. Ele não está relaxado, está tenso. Mas tem milhares de emoções no seu sorriso.
O problema é que uma dessas emoções é tristeza.
— Você quer? — pergunto, hesitante. — Um filho?
— Já tenho um. O Gui.
Ai. Toda vez isso me atinge lá no ponto mais sensível do meu coração e alimenta meu amor por ele.
— Vocês querem saber se eu quero ter mais um? — ele pergunta, olhando agora para o Timo.
— É — responde Timo.
— É isso que quero saber — digo.
— Quero — Nick responde, sem titubear.
Eu me arrasto no sofá, mais para perto dele, e seguro suas mãos.
— A minha vontade de ter um bebê agora não é tão grande que eu aceite te magoar por esse motivo.
— É mesmo? Que bom. Mas por que você acha que eu ficaria magoado? — ele pergunta, imitando a gravidade no meu tom de voz de maneira quase debochada.
Eu prendo a respiração por um instante. Este definitivamente não era o momento que eu esperava humor.
— Nick...
— Eu entendi, meu amor. — Ele dá um meio sorriso, que não me agrada. — Mas eu não sou tão irresponsável assim. Nem tão vaidoso. Sou soropositivo e sei o que isso significa.
— Sabe também que não é impossível que você tenha filhos — diz Timo.
Nick vira para ele e dispara.
— Sei. E sei também, Timo, que no meu caso não funciona assim, decidindo dispensar a camisinha dois minutos antes de trepar.
O silêncio cai pesadamente na sala. Timo fecha a boca e contrai as mãos discretamente sobre as coxas. Nick não o chamou de "Alteza", nem de "baby" nem de porra nenhuma. Chamou-o pelo nome. Algo que Nick faz comigo o tempo todo, e eu com ele. Mas não ele com Timo. Isso deve acontecer, sei lá, uma vez por ano.
— Nick — eu o chamo e ele vira para mim e me encara com a expressão calculadamente displicente. — Eu conheço você.
— Ah, é. Esqueci. Você me conhece.
— Sei que você está magoado — digo, porque ele não me assusta com sua hostilidade cáustica e charmosa.
Ele respira fundo, desviando o olhar.
— É. Acho que estou — admite. — Mas não é com você, Bianca. E se você for capaz de pensar que estou triste com você porque você quer ter um filho, eu vou ficar muito mais triste. Ouviu bem?
Eu respiro fundo e fecho os olhos antes de assentir.
— Talvez eu fique, sim, um pouco... chateado de não poder participar dessa parte do casamento.
— Mas você pode, Nick. Foi isso que o Timo disse. Existem maneiras seguras.
Nick balança a cabeça, rindo. Então pega minhas mãos e as beija, no primeiro gesto mais carinhoso e relaxado dessa conversa. Eu respiro aliviada e chego mais perto dele. Ele imediatamente me abraça.
— Meus amores, qual parte de "não sou tão vaidoso assim" vocês não entenderam? — Nick diz.
Minha orelha está colada ao peito dele e eu gosto de ouvir sua voz amplificada assim.
— Ter filhos não é vaidade — retruca Timo.
— Ora, mas é óbvio que é, Alteza. Quando é planejado é vaidade, sim. É querer ver-se a si mesmo eternizado. É julgar-se competente o bastante para ser responsável por uma vida humana, ou várias! É considerar-se merecedor de continuar a linhagem do seu sangue.
— Como você é pomposo, Nick, meu Deus... — resmungo.
— Ele acha que o príncipe é ele — diz Timo, cruzando as pernas e sorrindo.
— Não acho, não. Porque eu não acho nada disso sobre mim. Não quero me ver eternizado, com certeza não me julgo competente o bastante para cuidar de uma pessoa e menos ainda mereço continuar a linhagem do meu sangue.
Ergo meu corpo, me afastando para olhar para ele.
— Que besteira é essa? Não diz isso, nem brincando! Claro que você merece!
— Sem falar que você já cuida muito bem do Guilherme — retruca Timo.
— Bem, mas isso não importa — diz ele, impaciente. — Não faz o menor sentido termos essa discussão, nós somos três. Se nós queremos ter um bebê, não tem por que ser meu, é simples assim. — Nick abre os braços e assim me solta do seu abraço. — Timo entra com o sêmen e eu com o dinheiro, como sempre.
Eu prendo a respiração, atingida. Timo se levanta e ergue o dedo em riste em direção ao rosto de Nick.
— Se você repetir isso, eu vou dar na sua cara. Você entendeu? Eu tô falando sério. Você entendeu?
Nick baixa a cabeça.
— Desculpa.
— Isso foi baixo, Nick.
— Eu sei, desculpa.
— Foi baixo comigo e foi pior ainda com a Bianca!
— Droga. — Nick esfrega o rosto com força. — Me perdoa, Bia.
— Por que você faz essas coisas? — pergunto.
Ele fica me olhando, com o cenho franzido, e engole devagar.
— Porque eu não sei lidar com esse tipo de situação, merda! — Ele rilha os dentes, com uma expressão de angústia que quase me dá pena. — Porque vocês me fazem... confrontar... coisas.
— Sentimentos — falo.
— Isso aí. — Ele sacode a mão.
E então apoia os cotovelos nos joelhos e esconde o rosto nas mãos, expirando longamente. Fica em silêncio por um longo tempo.
— Eu odeio vocês por me fazerem esse tipo de proposta, sabe? — diz, com a voz abafada entre as mãos.
Timo pisca algumas vezes, confuso e tenso.
Mas eu estou com vontade de rir.
— Simplesmente façam o filho e tragam para mim, que droga!
— Isso não é um sacrifício, seu idiota. — Chuto a canela dele e ele ergue o rosto para me olhar, e faz uma careta. — E você não é um deus.
— Oh, my dear wife... — O sorriso dele escala maliciosamente pelo rosto. — Vou fazer você se desdizer ainda hoje, se prepare.
— Admite que você quer ser pai de um bebezinho, Nick.
— Seu? — Ele arqueia as sobrancelhas para mim. — Quero. Porra, eu quero, sim.
— Eu te amo, sabia?
Ele fecha os olhos e sorri, sacudindo a cabeça.
— É, eu sabia. Como é que vocês não desistem de mim?
— Porque é isso que você quer — diz Timo, sentando na mesa de centro e pousando a mão no joelho de Nick. — E eu odeio fazer o que você quer.
— Também te amo, baby.
Pego a almofada e bato com força no braço de Nick.
— Só ama ele, né, seu viadinho?
Nick pula em cima de mim, no sofá e eu dou um grito, caindo na risada.
— Você já tá grávida? — ele pergunta, beijando meu pescoço.
— Como eu vou saber? — Fecho os olhos e relaxo, enquanto ele me beija e chupa meu pescoço. — Isso foi ontem. Ai, Nick. Devagar.
— Já tenho que ser super super cuidadoso com você, princesa?
— Ah meu Deus, ouviu isso, Timo? Eu vou ser promovida à realeza se eu engravidar de você.
— Você é a rainha disso aqui, Bianca — Nick diz no meu ouvido, bem baixinho. E eu sei que ele não quer que Timo ouça. — Não finja que não sabe.
Eu beijo o maxilar e o queixo dele.
— Eu quero que você saiba que eu ficaria muito feliz de te tornar pai.
— Você já fez isso, Bia — ele diz, olhando em meus olhos.
Porra, assim ele vai me fazer chorar...
— Estamos discutindo um segundo filho aqui, não estamos?
— Droga, como eu te amo, Nick. Por que você é tão idiota às vezes?
— Era para vocês me amarem menos.
— Não funciona — diz Timo.
— É. Já percebi. — Nick torce a boca, contrariado.
Acaricio o rosto dele.
— A gente pode tentar, depois... — eu começo. — Um terceiro. Eu e você.
— Não, não. — Nick nega com a cabeça. — Não quero.
— Mas eu vou querer ter um monte de filhos, você sabe disso, não sabe?
— Claro que sei. Também te conheço, sabia? Pois tenha. Todos do Timo, pelos métodos tradicionais. Não tem a menor necessidade de se submeter a inseminação. A não ser que...
Ele para.
— Fala.
— Serão menos meus filhos por não terem meu sangue? — ele pergunta, olhando para mim.
E depois ele olha para o Timo.
Meu olhar segue o do Nick e procura Timo. Que está observando nós dois, sentadinho na mesa, com a mão confortavelmente sobre o zíper da calça, alisando um princípio de ereção. Timo sorri. Aquele sorriso que parece que vai me levar direto para as estrelas. E então Nick sorri. Aquele sorriso que parece que vai nos arrastar direto para o quarto.
— Claro que não — respondo num sussurro.
Ele cheira meu pescoço.
— Eu ainda vou transar com você ou você vai me colocar na geladeira até engravidar?
— Não fala isso nem brincando. — Eu fecho os olhos, sentindo a língua dele no meu pescoço. — Eu tô morrendo de saudades.
— Então vamos subir e começar essa história agora mesmo.
*
1Diamonds, Rihanna.